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Crimes internacionais #2 - Por Bruno Lamenha

Crimes internacionais #2

Por Bruno Lamenha

Procurador da República no município de Caicó-RN desde junho/2014 (aprovado no 27 CPR – 2º lugar). Mestre em Direito Público pela Universidade Federal de Alagoas. Foi Analista Judiciário – Área Judiciária na Justiça Federal em Alagoas (2012-2014) e Assessor-Chefe do gabinete do Procurador-Chefe no MPF/AL (2009-2012).


Após um longo e tenebroso inverno, volto para concluir a postagem anterior, na confiança de aparecer com maior regularidade. =].. Seguindo, vamos falar um pouco de como se classificam os crimes internacionais.


Embora largamente conhecida, é sempre oportuna a lição de Agustín Gordillo que, com precisão, afirmava que as classificações não são certas ou erradas, mas úteis ou inúteis. Isso significa, numa palavra, que não há uma única forma de classificar os crimes internacionais.


Bassiouni consigna a existência de 27 (vinte e sete) espécies de crimes internacionais. Argumenta que classificá-los importa, sob certa perspectiva, no estabelecimento de uma espécie de hierarquia entre os crimes internacionais. Segundo o autor, ainda que se pudesse partir da premissa de que os crimes internacionais, independentemente do interesse envolvido, importariam em um mesmo nível de reprovabilidade, deve-se reconhecer que há crimes mais lesivos à comunidade internacional. Exemplifica, ponderando que o genocídio e o tráfico de material pornográfico não podem ser aquilatados em uma mesmo nível.


Um modelo útil de classificação, se formos pensar exclusivamente no que é exigido nas provas de concurso, pode subdividir os crimes internacionais em três categorias: a) crimes internacionais em sentido estrito (violam bens, valores ou interesses jurídicos mais caros à comunidade internacional, como é o caso dos crimes contra a humanidade. Contempla, por isso, a maioria dos crimes de ius cogens); b) crimes internacionais em sentido amplo (afetam interesse internacionalmente protegido e abrangem condutas de caráter transnacional, seja em razão da ocorrência em mais de um Estado ou danos a vítimas de mais de um Estado – ex. pirataria, sequestro de aeronaves, tráfico de drogas); c) outras infrações internacionais (categoria residual, contemplando as violações a normas do direito internacional não incluídas nas categorias anteriores – ex. tráfico internacional de materiais obscenos e suborno de oficiais estrangeiros). Bassiouni, embora proponha uma classificação mais elaborada (distinguindo os crimes internacionais em categorias associadas à : i) proteção à segurança e paz internacionais; ii) proteção aos interesses humanos e iii) proteção aos interesses sociais e culturais), delineia uma categorização como a proposta aqui como possível.


Alguns crimes internacionais, como mencionado, também integram o chamado ius cogens, que constitui um qualificativo de superioridade normativa atribuído a determinada norma internacional pelo fato dela albergar valores altamente relevantes para a comunidade internacional como um todo. São exemplos de crimes ius cogens, os crimes contra a humanidade, crimes de guerra, o crime de agressão, o genocídio, a escravidão, o apartheid, a tortura, a experimentação em seres humanos e o terrorismo nuclear). Lembrando rapidamente do Tribunal Penal Internacional (TPI – Estatuto de Roma), é possível se concluir, sem dificuldade que: todos os crimes do seu rol de competência material estão inseridos no ius cogens (crimes contra a humanidade, crimes de guerra, genocídio e crime de agressão[1]), mas nem todos os crimes de ius cogens são de sua competência material (v.g. per si, a tortura não é um crime de competência do TPI, embora possa ser utilizada como meio para a prática de um crime contra a humanidade ou um crime de guerra[2]).


Toda norma ius cogens implica uma obrigação erga omnes à comunidade internacional, embora os conceitos não constituam sinônimos e nem toda obrigação erga omnes implique em uma norma de ius cogens. Segundo Bassiouni, o fato de determinado crime ser considerado integrante do ius cogens gera, para o Estado, um verdadeiro dever de perseguir de tais delitos, acarretando as seguintes consequências: I) aut dedere aut iudicare (extraditar ou julgar); II) inaplicabilidade de imunidades; III) universalidade de jurisdição sobre tais delitos, independente de onde e por quem foram cometidos (inclusive Chefes de Estado).


De acordo com Eugênio Aragão, os crimes de ius cogens são aqueles que necessariamente devem ser perseguidos, seja o Estado parte de um tratado de repressão desses crimes ou não. São crimes que atentam contra direitos humanos fundamentais e a obrigação de persegui-los independe de tratado internacional.


Uma característica importante dos crimes de ius cogens é a sua imprescritibilidade. Existe, inclusive, uma Convenção da ONU acerca da imprescritibilidade dos crimes de guerra e dos crimes contra a humanidade (1968)[3], da qual o Brasil não é signatário. A imprescritibilidade também é estabelecida pelo Estatuto de Roma em relação aos delitos nele previstos (art. 29). De todo modo, a imprescritibilidade dos crimes contra a humanidade, consignada na Convenção de 1968, é meramente declaratória, não constitutiva. Isto significa que mesmo os países que dela não são parte não podem invocar esta condição para não reconhecer a imprescritibilidade de tais espécies de crimes internacionais.


[1] Em 1998, época da celebração do Estatuto de Roma, não havia conjuntura para a definição do conteúdo jurídico do crime de agressão. Como as guerras à revelia da autorização do CSONU eram (e são) expediente frequente do qual lançam mão as potências globais, estas não queriam correr o risco de ver seus líderes eventualmente respondendo perante o TPI. A tipificação foi remetida para um momento posterior.


Em 2010, na Conferência de Revisão do Estatuto, realizada em Kampala, Uganda, deu um conteúdo jurídico ao crime de agressão, definindo-o como “planejamento, início ou execução, por uma pessoa em posição de efetivo controle ou direção da ação política ou militar de um Estado, de um ato de agressão que, por suas características, gravidade e escala, constitua uma violação manifesta da Carta das Nações Unidas”. Trata-se de definição consentânea com a Resolução 3.314 da ASONU de 1974.


Apesar da novidade, todavia, estabeleceu-se duas condicionais para a entrada em vigor da tipificação do crime de agressão: a) em 2017, os Estados darão vigência ao dispositivo a partir do voto de 2/3 (dois terços) das partes do Estatuto; b) a jurisdição abrangerá crimes de agressão praticados após um ano após a ratificação da emenda por, no mínimo, trinta Estados-partes.


[2] Nesse sentido, ver ERoma, art. 7 (1), "f" e art. 8 (2), "a", ii.

[3] Ver:https://treaties.un.org/pages/ViewDetails.aspx?src=TREATY&mtdsg_no=IV-6&chapter=4&lang=en

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