Recomendação CNJ nº 123/2022: a observância dos tratados e convenções internacionais de direitos humanos e o uso da jurisprudência da Corte Interamericana de Direitos Humanos
Em janeiro de 2022, foi publicada a Recomendação CNJ nº 123, em cujo art. 1º é recomendada aos órgãos do Poder Judiciário: “I – a observância dos tratados e convenções internacionais de direitos humanos em vigor no Brasil e a utilização da jurisprudência da Corte Interamericana de Direitos Humanos (Corte IDH), bem como a necessidade de controle de convencionalidade das leis internas; II – a priorização do julgamento dos processos em tramitação relativos à reparação material e imaterial das vítimas de violações a direitos humanos determinadas pela Corte Interamericana de Direitos Humanos em condenações envolvendo o Estado brasileiro e que estejam pendentes de cumprimento integral”.
A relação entre o direito brasileiro e a jurisprudência da Corte Interamericana de Direitos Humanos (Corte IDH) é um tema de grande relevância e complexidade no cenário jurídico nacional. A questão central que se coloca é: os juízes brasileiros são obrigados a seguir a jurisprudência da Corte IDH?
O Brasil é signatário da Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de San José da Costa Rica) desde 1992 e reconheceu a jurisdição contenciosa da Corte IDH em 1998. Isso significa que o país se comprometeu a respeitar e garantir os direitos humanos previstos na Convenção e a cumprir as decisões da Corte IDH em casos em que o Estado brasileiro seja parte.
A Constituição Federal de 1988, em seu artigo 5º, § 2º, estabelece que os direitos e garantias nela expressos não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte. Além disso, o Supremo Tribunal Federal (STF), em diversos julgados, tem reconhecido a natureza supralegal dos tratados de direitos humanos, posicionando-os acima da legislação infraconstitucional.
Nesse contexto, surge o conceito de "controle de convencionalidade", que consiste na verificação da compatibilidade das normas e práticas internas com os tratados internacionais de direitos humanos. A Corte IDH tem desempenhado um papel fundamental na consolidação desse controle, ao exigir que os Estados-partes adotem medidas para garantir a efetividade dos direitos humanos em seus ordenamentos jurídicos.
Diante desse cenário, pode-se afirmar que os juízes brasileiros são, sim, obrigados a seguir a jurisprudência da Corte IDH. Essa obrigatoriedade decorre do compromisso assumido pelo Brasil ao ratificar a Convenção Americana e reconhecer a jurisdição da Corte, bem como da posição do STF sobre a hierarquia dos tratados de direitos humanos.
A jurisprudência da Corte IDH serve como parâmetro para a interpretação e aplicação dos direitos humanos no Brasil, orientando os juízes na resolução de casos concretos e na promoção de uma cultura de respeito aos direitos humanos. Descumprir as decisões da Corte IDH pode acarretar em responsabilidade internacional para o Estado brasileiro, além de comprometer a credibilidade do país no cenário internacional.
Apesar da obrigatoriedade da jurisprudência da Corte IDH, sua aplicação no Brasil ainda enfrenta desafios. A falta de conhecimento sobre o Sistema Interamericano de Direitos Humanos por parte de alguns operadores do direito, a resistência de certos setores da sociedade em aceitar a autoridade da Corte e a complexidade de algumas decisões, que podem demandar mudanças legislativas ou institucionais, são alguns dos obstáculos a serem superados.
No entanto, é inegável o impacto positivo da jurisprudência da Corte IDH na evolução do direito brasileiro e na proteção dos direitos humanos no país. A Corte tem contribuído para a consolidação de importantes garantias, como o direito à memória e à verdade, a proibição da prisão civil por dívidas alimentícias, a proteção dos direitos das populações indígenas e quilombolas, entre outros.
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